Acho que é o frio que atrapalhou as coisas aqui dentro, não sei bem o que. Só sei que me peguei gastando a gélida noite de quarta-feira me lambuzando com uma bela pizza congelada, e assistindo ao espetaculoso programa 'Ídolos', no paleozóico Sistema Brasileiro de Televisão. Deprimente, claro, mas não tanto quanto a vexatória apresentação de novos talentos que eu vi.
Vou evitar entrar em colocações técnicas - ainda mais eu, o cantor mais desafinado de chuveiros com cortininhas que colam na bunda do planeta - e olha que eu tenho tino para detonar notas desafinadas, extensão de voz de tuberculosos e finais de frase miados ao melhor estilo Léo Aquila. Não vale a pena entrar no mérito.
Só me dediquei a ligar o computador e digitar essas linhas porque a vida mais uma vez não deixa de me surpreender, e deixou meus beiços mais lambuzados que o azeite da minha refeição. Entre uma apresentação razoável [leia-se algo que se pode ouvir sem se desejar um ferro com tétano atravessando o tímpano] outras medíocres, e umas ainda ruins como descritas acima, vi um candidato, pobrezinho, pedindo votos aos seus fãs deficientes auditivos! Sim, ele tem um fã-clube dentro de um grupo de ajuda a surdos.
Estranhamente ele estava longe de ser o pior do programa, mas foi o mais detonado pelos deslumbrados jurados, e temendo ser o próximo excluído do programa, tirou uma carta da manga e em gestos e palavras, apelou para aqueles que podem apenas vê-lo, mas que nunca tiveram o desprazer de ouvir a ele ou aos outros. A sirene da bizarrice cotidiana disparou aqui na minha cabeça, enquanto um sentimento doído tomava conta de mim. Resolvi escrever para aliviar esse nó na garganta.
Nem escrevo mais nada, porque agora estou com o cérebro pipocando em idéias geniais que vou colocar em prática já. Vou acionar meu querido Google para ajudar minha tia cega e procurar um curso de formação para juízes de saltos ornamentais. Que tal?
Vergonha alheia é a palavra, minha gente. Vergonha alheia.
Acabo de voltar do cinema em êxtase, porque acabo de eleger o melhor filme que assisti no último ano. Definitivamente. E deve estar na lista dos 10 mais.
'Eu, você e todo mundo', um título que não poderia ser mais preciso, é o primeiro filme da video-artista Miranda July. Ela é produtora, diretora, roteirista e protagonista. Para quem tem trabalhos expostos no MoMA e no Guggenheim, não parece muita coisa que ela tenha ganho um prêmio especial no Festival de Sundance e a Camera d'Or no Festival de Cannes. Quase nada. Ela é uma nerd esquisitinha com voz semi-infantil, que todo mundo quer levar para casa. Uma 'freak-Amelie Poulain' que deu certo.
No filme ela interpreta, vejam só, uma video-artista meio freak, meio Amelie Poulain! Mas imaginar que essa personagem semi-patética é um espelho da grande artista por traz de todo o filme faz com que a distância entre a criadora e a criatura grite. Muito bem: agora juntemos a Amelie com Short Cuts, com Kids [suavizado, claro], mais uma investigação sociológica atualizadíssima e um retrato cruel mas cheio da ternura da realidade. Estamos chegando lá.
O tema central do filme é medo moderno das relações inter-pessoais, a aversão que todos nós criamos em abrir mão de nossas máscaras sociais para se estabelecer algum tipo de contato humano. Em todos os graus: entre pessoas desconhecidas, entre possíveis namorados, pais e filhos, vizinhos, melhores amigas, etc. Engraçado como ela ironicamente insere um casamento inter-racial nessa salada e talvez esse seja o único ponto polêmico que ela deixa escapar de qualquer crítica e o trata como se falasse de um pão com manteiga.
Nessa guerra introspectiva, as personagens se fazem valer de toda e qualquer ferramenta possível para escapar do tet-a-tet. Um põe fogo na própria mão, outro se esconde atrás de bits. Uma criança semi-analfabeta estabelece um contato pornográfico via CTRL+C CTRL+V. A pedofilia indizível é colocada em outdoor, desenhos viram pontos e vírgulas, uma placa marca o começo e o fim de um relacionamento. Até os românticos idosos destroem uma paixão avassaladora para não ter que viver o fim dela.
A direção de arte está longe de um Jean Pierre Jeunet, alguns vícios da arte digital aparecem aqui e ali, mas a ingenuidade estilística convence. A narrativa é bem fluida, as personagens densas, as interpretações são inacreditáveis - desde a diretora até o menino de no máximo 5 anos - o fantástico Brandon Ratcliff. Para quem gosta de cinema cabeça, esse filme é essencial. Para quem detesta cinema-cabeça, e tudo que eu disse até agora é bla-bla-bla, eu resumo:
O filme é suave, divertido, engraçado, surpreendente e lindo, sem deixar de ser potente, crítico, inteligente e magnífico. Tem que ver e ponto.
Todo mundo tem em fases, sejam elas emocionais, financeiras, astrais, familiares, etc. Eu fiz uma viagem emcionante pelo fundo de cada uma delas nos últimos meses e agora entrei na fase do 'pobrema de junta': junta tudo e joga fora [um clichezinho básico para retomar a histeria critaiva.] Trabalho em regime semi-fechado, semi-escravo; romance morno às custas de muito banho maria; cartas e mais cartas do banco fechadas para nem ver o tamanho do buraco; e agora ainda surge das trevas o maior mal que assola a sanidade mental da população tupiniquim:
A Copa do Mundo!!! [Tan-dan-dan!!! Música sinistra ao fundo]
Sim, a Copa é bacana, o mundo confraterniza, tem sempre um bichinho simpático, e a cada edição mais estranho, representando a competição pacífica entre os povos. Até aí OK, eu também sei ter um pouco de empatia e até fingir algum interesse em jogos de futebol televisionados. É que nem carnaval. Ninguém gosta de axé e samba-enredo, ninguém quer se fantasiar que nem bobo, e ninguém gosta de ficar se roçando em um monte de bêbados suados pululantes, mas se não pode-se vencê-los, pegue uma cerveja e brinde.
O que me incomoda na Copa é a histeria coletiva [e nada criativa] que se apossa do brasileiro desavisado, ou seja, 99,73% da população do país [dado de uma pesquisa seríssima, juro!]. Agora, para ser o verdadeiro torcedor da seleção canarinho, não podemos nos contentar com os palhaços de peruca colorida no estádio do país-sede. Nem com a chatice incomensurável do Galvão Bueno. Cornetinhas, canções-tema, blocos inteiros do Jornal Nacional falando sobre a feijoada que algum jogador comeu, rojões que matam metade dos animais da vizinhança de ataque cardíaco, isso tudo é coisa do passado.
Agora a onda é, acima de tudo, a selvageria no trânsito. Nada melhor para demonstrar sua paixão pelo esporte do que mostrar o quanto você precisa chegar até a sua casa para ver a seleção. Neguinho enforca a tarde de trabalho, estica um pouco o almoço, e sai no meio de um trânsito bizarro, para ser sutil, passa em sinal vermelho, fecha cruzamento, corta todo mundo, não dá passagem nem para senhoras idosas com 12 graus de miopia, buzina e xinga quem estiver num raio de 20m do seu veículo, tudo para ver o Cascão chutando uma bola. Um paraíso.
O que mais me diverte é ver o quanto o brasileiro é cafona, e como a Copa é capaz de insuflar os maiores arroubos breguísticos no mais ser discreto. Ruas, muros, vitrines, restaurantes, uniformes, camisetas, gravatas, toalhas na janela, tudo devidamente verdeamarelo que, convenhamos, nem combinam tanto assim. Prefiro muito mais a combinação preto-branco-azul celeste. Fora que metade dos carros resolveram virar corpo consular. Uma bandeirinha de cada lado, só falta a escolta. O meu enjôo com essa demência generalizada só piorou quando eu descobri que haviam até torcedores no MSN, devidamente fantasiados com nicks que juntam simbolozinhos do teclado para formar uma bandeirinha do Brasil. OOOOOhhhhhh, que meigo!
Mal passamos o segundo jogo, e a única experiência boa disso tudo foi constatar que nunca houve um domingo tão silencioso como este último. Um oásis de sons da natureza em pleno centro da cidade. Claro que a minha felicidade durou pouco, porque um alarme de um carro disparou em frente à minha casa, e nao foi desativado até pelo menos o intervalo. Sabe como é, torcedor que é torcedor não pode mudar de posição durante o jogo porque 'pode dar azar'. A-ham!
Bom, é isso. Não tenho mais o que falar, só queria tirar um pouco o pó desse blogue aqui, e tirar um pouco dessa agonia copística do peito. Vou colar um adesivo do PCC no vidro do meu carro e pendurar uma bandeira com a cara da Suzane von Richthofen na minha janela, enquanto penso em algo de realmente útil para escrever.