terça-feira, julho 11

lendas.urbanas

Histórias de bairro são uma longa tradição da vidinha provinciana que o brasileiro comum leva. Todo mundo tem um pezinho em alguma cidadezinha nos cafundós do Juda onde todo mundo se conhece. Se não tem o pé, já enfiou a pata na Jaca em algum baile de Carnaval de clube de interior. Sabe aquele centro de fofocas malediscentes formado por uma praça, uma igreja, a prefeitura, o clube, a sorveteria e a janela dos vizinhos? Então, guarde esta imagem.

Essa pequenez tem grande influência mesmo dentro da urbe trabalhadora e neurótica, e mostra sua veia mais peçonhenta dentro das comunidades formadas pelos bairros. Eu só agora me dei conta que, apesar de morar na região central de São Paulo, em um bairro arrojado e descolado, com densidade demográfica quase igual à de Tóquio, também estou sujeito a esse tipo de invasão pública de privacidade. Paradoxal, não?

Começou com o tiozinho da tapeçaria que agora insiste em sair na porta da sua loja/escritório/ateliê para me dar bom dia todas as manhãs. Depois foi a caixa da loja da frente, que me viu na janela e perguntou o que eu estava fazendo. Sorte que eu comprei cortinas... e que parei de fumar baseado.

Ontem me deparei com uma nova modalidade do bairrismo congênito [ter que ser genético, só pode ser!] O vilão, claro, é a maior ameaça da sociedade saudável, o Orkut. Encontrei a comunidade do meu bairro lá. A descrição é até bastante rígida e proíbe joguinhos, auto-promoções e tópicos nebulosos. Uma coisa Talibã, sabe? Ok, dou o braço a torcer: alguns tópicos vêm a bem e promovem coisas bacanas, como opções de serviço, os melhores lugares para comer e fatos interessantes da região.

Eis que eu encontro um tópico - e uma comunidade inteira! - dedicado a um mendigo que ronda a minha rua há mais de dez anos, e a pelo menos vinte perdeu todos os parafusos que um dia ele teve. As pessoas sabem o nome dele, conhecem as atividades, gostos e até a história dele. Chegam até a citar outras personalidades das ruas, como as putas da rua movimentada, a dona da banca X e o outro mendigo que cria cachorros fedorentos. A tecnologia chega a qualquer um.

Mas eu senti muita falta de um ser que acho que existe apenas para mim e meu vizinho. É um terceiro mendigo, que não mora por aqui, mas que todo dia de feira livre obrigatoriamente se aconchega em frente ao portão da minha garagem e espera pacientemente por um rango pós-expediente. Ele até é bastante tranqüilo e educado, considerando a cor das suas unhas dos pés e o capacete de obra que protege a sua careca. O problema é o cheiro dele, que supera qualquer experiência nauseante do cidadão comum. E toda semana está lá o senhor, acolhido do sol em frente ao meu carro. Talvez por isso eu seja um dos único a reparar nele.

Dado curioso: em um desses dias de jogo do Brasil, não é que eu me deparo com este distinto cidadão devidamente trajado com suas havaianas surradas, seu capacete amarelo e exclusivos óculos escuros verdeamarelos, em formato de estrela??? Realmente esse espírito de Copa pega. Parece gripe, eu hein?

segunda-feira, julho 3

futebol.fantasma

Finda a Copa para os entusiasmados torcedores brasileiros, devo dizer que esse tipo de ufanismo deseperado e sazonal não me pega mais. Os jogos da Copa me parecem cada vez mais xoxos, e parece que o capitalismo veio mesmo para detonar o celebrado 'futebol-arte'.

Até entrei em uma longa discussão com alguns amigos deprimidos pelo resultado de sábado, e claro que saí em desvantagem. Eles não se conformavam com a minha idéia de que as caras pintadas, perucas, cornetas e bandeiras são não só instrumento de manipulação social do governo, ou seja, da Globo, mas também são o claro indício de que a população brasileira anda preguiçosa, deslumbrada e mendicante. Deixei para lá.

Confesso que, apesar de gostar pouco de futebol, já me entusiasmei com a torcida canarinho em outros tempos, mas este ano não deu. Sábado eu estava tão entediado com a partida, que deixei a turma tensa na sala e fui sozinho para o quarto, brincar um pouco na internet. Até o Orkut não é tão monótono quanto aquela troca de passes no meio de campo. Santa apatia, Batman!

Dou o braço a torcer por apenas um jogador, que pelo que pude ouvir do segundo tempo, teve um destaque enorme no jogo. O tempo todo eu ouvia: 'Bola tocada para Ninguém.' ' Ninguém pegou a bola....' e 'Olha o cruzamento! E Ninguém chega para fazer o gol....' Não sei qual era a camisa de Ninguém no time, mas pelo que pude perceber, Ninguém foi essencial na equipe de Parreira. Pena não deu para Ninguém fazer o gol do empate.

Tudo bem, a Copa acabou para eles, o pessoal já está no avião de volta para casa, mala cheia, acho que a maior preocupação agora não é a hostilidade da opinião pública, mas sim a alfândega. Porque dessa vez a Polícia Federal não deve ser tão complascente com os jogadores. Mas deveria ser, com Ninguém pelo menos.

Espero que Ninguém esteja na próxima competição daqui a quatro anos. Assim ficamos menos alvoroçados.